O Riso na Névoa
Sempre
odiei palhaços. Nunca entendi como alguém poderia achá-los engraçados. Mas o
que aconteceu naquela noite provou que meu medo sempre foi justificado.
Era
uma cidade pequena, rodeada por florestas densas e um clima sempre enevoado.
Havia uma história local sobre um antigo circo que, décadas atrás, desapareceu
sem deixar vestígios. Diziam que, em noites de névoa, se ouvia um riso distante
ecoando pelas ruas desertas. Alguns moradores juravam ter visto figuras
estranhas caminhando entre as árvores, mas ninguém nunca teve coragem de
investigar de verdade.
Eu
trabalhava no turno da noite em uma loja de conveniência, localizada no limite
da cidade. Era um trabalho solitário, especialmente depois da meia-noite,
quando praticamente ninguém aparecia. As câmeras de segurança raramente
captavam qualquer movimento além da névoa lá fora, dançando sob a luz fraca dos
postes.
Por
volta das duas da manhã, um cliente entrou. Seu rosto estava escondido sob uma
máscara de palhaço grotesca, rachada em alguns pontos, revelando uma pele
pálida por baixo. Ele vestia um terno velho e sujo, e suas luvas brancas
estavam manchadas de algo escuro. Ele não disse nada, apenas apontou para a
prateleira de doces.
Meu
coração acelerou. Tentei manter a calma e peguei um pacote de balas. Quando
coloquei no balcão, ele inclinou a cabeça lentamente, como se estivesse me
estudando. Seus olhos, escondidos sob a máscara, eram dois buracos negros de
pura escuridão.
O
silêncio foi quebrado por um som estranho – um riso engasgado, como se
estivesse sendo forçado a sair de sua garganta. Ele pegou as balas, mas, em vez
de pagar, deixou algo no balcão: uma fotografia antiga e amarelada. Peguei a
foto com mãos trêmulas e quase gritei ao ver o que havia nela.
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Imagem feita por Inteligência Artificial |
Meu
corpo congelou. Olhei para frente, mas o palhaço já não estava mais lá. A porta
nunca se abriu, nenhum som foi ouvido. Apenas a névoa lá fora, e, ao longe, o
eco de um riso distorcido, cada vez mais próximo.
Tremendo,
olhei para as câmeras de segurança. Rebobinei as imagens para o momento em que
o palhaço entrou. O sangue fugiu do meu rosto quando percebi que, na gravação,
eu estava sozinho. A porta da loja nunca se abriu. Não havia ninguém além de
mim… e a foto sobre o balcão.
O
desespero tomou conta de mim. Peguei meu celular e disquei para a polícia, mas
a ligação caiu antes mesmo de chamar. A névoa do lado de fora parecia mais
densa agora, quase como se estivesse tentando invadir a loja. Senti um arrepio
percorrer minha espinha quando percebi que o vidro da porta começou a embaçar,
como se algo do lado de fora estivesse respirando contra ele.
De
repente, algo apareceu na névoa. Uma figura alta, vestindo um terno rasgado,
parado bem em frente à loja. Mesmo sem conseguir ver os detalhes, eu sabia que
era ele. O riso voltou, mas dessa vez era múltiplo, como se vários palhaços
rissem ao mesmo tempo. A névoa começou a se agitar, e sombras começaram a se
mover dentro dela.
O
pânico me dominou. Corri para os fundos da loja e tranquei a porta do estoque.
O riso não parava. Ele ecoava dentro da minha cabeça, reverberava nas paredes.
A foto ainda estava na minha mão. Olhei de novo, com esperança de que minha
mente estivesse apenas pregando peças. Mas algo havia mudado.
Agora,
na foto, os palhaços não estavam apenas olhando para a câmera. Eles estavam
olhando diretamente para mim. E havia mais um detalhe: minha própria expressão
havia mudado. Eu não estava mais assustado. Eu estava sorrindo.
Meu
corpo ficou paralisado. Senti algo atrás de mim. Uma presença. O ar ficou
pesado. O riso agora vinha de dentro da sala.
A
última coisa que vi foi o reflexo no vidro da prateleira de bebidas. Um palhaço
me observava, sua máscara rachada e suja… mas desta vez, eu sabia que não era
uma máscara. Era o meu próprio rosto, contorcido em um sorriso impossível.
E
então, a névoa me engoliu.
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